top of page
Buscar

Impactos da La Niña 2021/22 na precipitação da América do Sul

  • Foto do escritor: laisgfernandes
    laisgfernandes
  • 7 de mar. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 8 de mar. de 2022

Confira quais foram os principais impactos da La Niña 2021/22 sobre a chuva na América do Sul na primavera (setembro-outobro-novembro - SON) e no verão (dezembro-janeiro-fevereiro - DJF)

As anomalias negativas de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) no Pacífico equatorial central e leste que caracterizam a fase negativa (ou La Niña - LN) do fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS) se intensificaram nos últimos meses de 2021 e primeiros meses de 2022. Isso ocorreu porque o fenômeno ENOS costuma se desenvolver na primavera (SON) e atingir seu ápice no verão (DJF). O verão é também a estação chuvosa na maior parte da América do Sul (AS). Portanto, já podemos começar a fazer um balanço dos principais impactos da LN 2021/22 sobre a chuva na AS.


Os modelos de previsão apontam 77% de chance da LN 2021/22 permanecer até o próximo outono (março-abril-maio - MAM), afetando principalmente a chuva no nordeste da AS equatorial, pois o pico da estação chuvosa na região ocorre justamente nessa estação. Do inverno (junho-julho-agosto - JJA) em diante, há uma chance maior (57%) do fenômeno ENOS retornar para a fase neutra.


É interessante notar que o Oceanic Niño Index (ONI), calculado a partir da média de três meses consecutivos das anomalias de TSM na região Niño 3.4, permaneceu em -1,0 °C (Fig. 1) nos últimos três trimestres consecutivos (OND, NDJ e DJF), caracterizando o evento LN 2021/22 como de intensidade moderada. Eventos desse tipo costumam impactar significativamente a chuva na AS. Como as anomalias negativas de TSM menores ou iguais a -0,5 °C na região Niño 3.4 estão persistindo há mais de 5 trimestres consecutivos (JAS, ASO, SON, OND, NDJ, DJF), podemos finalmente afirmar que há de fato uma LN acontecendo em 2021-22 (considerando a classificação de acordo com o índice ONI), embora os impactos estejam ocorrendo desde meados de nov/2021.


Figura 1: Anomalias de TSM no Oceano Pacífico tropical entre 1 de dezembro de 2021 e 26 de fevereiro de 2022. Imagem de http://iridl.ldeo.columbia.edu/.


Antes de discutir os impactos da LN atual (2021/22), é interessante relembrar do padrão nas anomalias de precipitação sobre o continente sul-americano associado à fase negativa do fenômeno ENOS. Eventos canônicos (ou tradicionais) de LN, com anomalias negativas mais intensas de TSM na região do Pacífico equatorial leste (como esse evento LN 2021/22, ver Fig. 1), intensificam o movimento ascendente sobre o nordeste da AS equatorial, via Circulação de Walker favorecendo a precipitação na região. Eventos LN leste também reduzem a precipitação no sudeste da AS (Fig. 2), aumentando a subsidência sobre essa região via Circulação de Hadley.

Figura 2: Média das anomalias diárias de precipitação em anos de LN durante o verão do Hemisfério Sul (DJF) entre 1950 e 2009.


Além de impactar as anomalias de precipitação sobre a AS, eventos LN (principalmente os do tipo central) também fortalecem a alta subtropical do Atlântico Sul, influenciando a TSM do Atlântico Sul subtropical. Eventos LN, portanto, desencadeiam a fase positiva do dipolo do Atlântico Sul, favorecendo TSM positiva (negativa) anômala adjacente à região sudeste (centro-leste) da AS (Fig. 3). Com isso, pode haver uma maior frequencia de eventos extremos de precipitação em regiões costeiras do Sudeste e Sul do Brasil em eventos LN apesar da esperada seca no interior do continente. Eles estão associados principalmente ao estabelecimento da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) ao sul de sua posição climatológica.

Figura 3: Media das anomalias de TSM em anos de LN e fase positiva do dipolo do Atlântico Sul. (Imagem de Rodrigues et al. 2015). Anomalias positivas (negativas) em tons de vermelho (azul).


Olhando para os mapas de anomalias mensais de precipitação no Brasil entre nov/2021 e fev/2022 (Fig. 4) podemos constatar que, apesar das anomalias serem causadas pela sobreposição de diferentes modos de variabilidade climática atuando ao mesmo tempo, o ENOS é de fato o "melhor amigo" da previsão climática sazonal, pois ele altera a circulação atmosférica de tal forma que ela se torna mais previsível ao longo das estações, principalmente durante a intensificação do fenômeno. Por exemplo, os mapas de anomalias mensais de precipitação entre nov/2021 e fev/2022 mostram um padrão nas anomalias que se assemelha às anomalias na Fig. 2. Há redução da precipitação no sudeste da AS, principalmente nos meses de dez/2021 e fev/2022, enquanto que há aumento da precipitação no nordeste da AS equatorial, principalmente em nov e dez/2021.


Figura 4: Anomalias mensais de precipitação no Brasil em nov/21, dez/21, jan/22 e fev/22. Imagem de http://clima1.cptec.inpe.br/monitoramentobrasil/pt.


Além disso, eventos extremos de precipitação bastante significativos aconteceram sobre o Sul da Bahia, Minas Gerais e no Rio de Janeiro durante o pico da estação de monção (DJF). Embora a LN 2021/22 não se caracterize como do tipo central, houve o estabelecimento da fase positiva do dipolo do Atlântico Sul (Fig. 5) nesssa mesma estação (DJF) favorecendo uma maior ocorrência de episódios de ZCAS sobre o continente. Em jan/2022, o volume operacional dos reservatórios do Sistema Cantareira, no estado de São Paulo, chegou a ficar acima da média histórica devido à chuva favorecida por eventos de ZCAS atenuando a crise hídrica nesse estado. No entanto, fev/2022 voltou a ter precipitação reduzida na região. As águas anomalamente mais quentes sobre o Atlântico Sul subtropical devido à LN também favoreceram a intensificação da tempestade tropical Ubá, a qual juntamente com o estabelecimento da ZCAS, favoreceu a ocorrência de eventos extremos de precipitação e elevação do nível dos rios em dez/2021 (entre os dias 7 e 9) sobre o Sul da Bahia e norte de Minas Gerais.


Figura 5: Anomalias de TSM nos oceanos Pacífico e Atlântico entre 5 e 11 de dezembro de 2021. Imagem de https://psl.noaa.gov/map/clim/sst.anom.anim.html.


A LN 2021/22 ainda favoreceu a intensificação da fase 8 da OMJ entre os dias 10 e 14 de jan/2022 (Fig. 6). Pesquisas recentes do Laboratório de Meteorologia da UFPR mostram que as teleconexões da OMJ entre o Oceano Pacífico e a AS que costumam ser estabelecidas na fase 1, são antecipadas para a fase 8 em anos de LN. A intensificação da OMJ na fase 8 favoreceu um intenso episódio de ZCAS que acabou por ocasionar eventos extremos de precipitação no Sul de Minas Gerais (entre os dias 10 e 12 de jan/2022). Apesar dos eventos extremos serem mais evidentes nos dados de precipitação em escala diária, é possível identificar a intensificação das anomalias positivas de precipitação sobre as regiões onde houveram estes eventos extremos na Figura 4.


Figura 6: Monitoramento da OMJ realizado pelo Australian Bureau of Meteorology (BOM). Imagem de http://www.bom.gov.au/climate/mjo/. A linha vermelha mostra a fase 8 da OMJ bastante ativa em jan/2022.


Portanto, é de extrema importância que os órgãos de meteorologia e hidrologia na AS continuem a monitorar o evento LN 2021/22 em MAM, principalmente devido a possíveis impactos no nordeste da AS equatorial. Além disso, a seca em grande parte dos reservatórios hídricos do Sudeste AS pode persitir durante o outono, e essa LN ainda pode vir a favorecer indiretamente a ocorrência de eventos extremos de precipitação na região da ZCAS, seja pelo aquecimento da TSM no Atlântico Sul subtropical, ou ainda modulando os impactos da OMJ sobre a precipitação na AS. A mídia tem divulgado amplamente que a causa desses extremos de precipitação na ZCAS nesse verão são as mudanças climáticas antrópicas. No entanto, como aqui foi exposto, o sistema climático natural é amplamente complexo, e muitas vezes as oscilações climáticas naturais como o ENOS e a OMJ podem trabalhar em conjunto para a ocorrência desses eventos mais significativos.


Continue a acompanhar aqui no blog a evolução da LN 2021/22 assim como de novos episódios de OMJ.



Referências:



Fernandes e Rodrigues (2017) "Changes in the patterns of extreme rainfall events in southern Brazil", International Journal of Climatology. https://doi.org/10.1002/joc.5248.


Fernandes e Grimm (2022) "Global ENSO modulation of MJO and its impacts on South America", submetido em Climate Dynamics em setembro de 2021.


Grimm (2004) "How do La Niña events disturb the summer monsoon system in Brazil?", Climate Dynamics. https://doi.org/10.1007/s00382-003-0368-7.


Grimm (2019) "Madden–Julian Oscillation impacts on South American summer monsoon season: precipitation anomalies, extreme events, teleconnections, and role in the MJO cycle", Climate Dynamics. https://doi.org/10.1007/s00382-019-04622-6.


Hirata e Grimm (2015) "The role of synoptic and intraseasonal anomalies in the life cycle

of summer rainfall extremes over South America", Climate Dynamics. https://doi.org/10.1007/s00382-015-2751-6


Rodrigues et al. (2014) "Why did the 2011–2012 La Niña cause a severe

drought in the Brazilian Northeast?", Geophysical Research Letters. https://doi.org/10.1002/2013GL058703.


Rodrigues et al. (2015) "The Impact of ENSO on the South Atlantic Subtropical Dipole Mode", Journal of Climate. https://doi.org/10.1175/JCLI-D-14-00483.1.







 
 
 

Kommentare


  • LinkedIn ícone social
  • Instagram ícone social
bottom of page