Uma nova La Niña vem surgindo no Oceano Pacífico equatorial
- laisgfernandes
- 19 de set. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de set. de 2021
Entenda porque se um novo evento La Niña vir a acontecer, a sua superposição com outros modos de variabilidade climática menos conhecidos pode vir a agravar ainda mais a crise hídrica no Brasil
Previsores climáticos da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), Climate Prediction Center (CPC), aumentaram recentemente para 70-80% a chance de um evento La Niña (LN) acontecer no verão 2021/22. É possível ver na animação abaixo que o Oceano Pacífico equatorial se manteve no estado neutro até meados do mês de agosto, no entanto, de lá para cá, a temperatura superficial do mar (TSM) vem se aproximando das características de um evento LN (Fig. 1).

Figura 1: Anomalias de TSM em agosto e início de setembro de 2021. Imagem de http://iridl.ldeo.columbia.edu/.
A evolução da fase negativa do fenômeno ENOS (ou LN) durante a primavera de 2020 e o verão de 2020/21 é de extrema importância para a América do Sul. A região centro-leste e sudeste do continente têm experimentado um prolongado período com precipitação abaixo da média ao longo desta última década, o qual se agravou nos dois últimos anos, gerando uma crise hídrica, e consequentemente, energética no Brasil. É importante lembrar que outros modos de variabilidade climática natural em escala de tempo mais longa que o ENOS (e portanto, menos investigados) estão contribuindo para este período de déficit de precipitação na América do Sul. Desde meados dos anos 2000, a Oscilação Multidecadal do Atlântico (OMA) está na sua fase positiva e a Oscilação Interdecadal do Pacífico (OIP), na sua fase negativa (Fig. 2). A OIP que também ocorre sobre o Oceano Pacífico, é responsável por modular a frequencia de episódios de ENOS. Por exemplo, a fase negativa da OIP favorece uma maior ocorrência de eventos LN.

Figura 2: Índices representando a OMA (linha verde) e a OIP (linha roxa) entre o período 1970-2020 suavizados com uma média móvel de 4 anos. Imagem de NOAA/ESRL Physical Sciences Laboratory.
Os cientistas da NOAA utilizam três critérios para classificar um evento LN. É interessante lembrar que outros centros de meteorologia ao redor do mundo utilizam outros limiares para classificação do ENOS. O primeiro, são anomalias mensais de TSM na região Niño 3.4 <= -0,5°C. O segundo é a persistência destas anomalias por um período de pelo menos 5 estações consecutivas, sendo cada estação composta por três meses. E o terceiro é o indício de uma circulação de Walker sobre o Pacífico equatorial mais intensa que o normal, uma vez que a LN representa uma intensificação das condições climatológicas observadas no Pacífico equatorial, ou seja, TSM mais quente próximo à Indonésia e TSM mais fria junto à costa da América do Sul. Portanto, os impactos de uma LN sobre a América do Sul durante a primavera podem acontecer antes mesmo do fenômeno ser oficialmente reconhecido pelos centros de monitoramento, uma vez que ainda não houve tempo suficiente para atestar os mecanismos de feedback do ENOS que causam o acoplamento entre o oceano e a atmosfera! O modelo ECMWF por exemplo (Fig. 3), já mostra um previsão de precipitação abaixo da média na região do Sul do Brasil, um padrão que é típico dos impactos da LN durante a primavera.

Figura 3: previsão climática para OND do modelo ECMWF. Imagem de https://www.ecmwf.int/en/forecasts.
Além da superposição da LN com modos de variabilidade climática natural em escala de tempo mais longa (como a OMA e a OIP), durante a estação quente um outro importante modo de variabilidade climática natural começa a afetar significativamente as anomalias de precipitação da América do Sul. Este fenômeno é a chamada Oscilação de Madden-Julian (OMJ), a qual oscila em uma escala de tempo mais rápida que a do ENOS, e portanto, seus impactos podem ser modulados pela variabilidade interanual. Inclusive um episódio de OMJ iniciou recentemente sobre Oceano Índico, precisamente no dia 9 de agosto (Fig. 4). Na estação do verão, por exemplo, quando ocorre o auge de ambos os fenômenos (ENOS e OMJ), a OMJ reduz a precipitação sobre o centro-leste da América do Sul nas fases 4 e 5. Contudo, em anos de LN, esta redução pode ser ainda mais acentuada, uma vez que há uma superposição de subsidência sobre o Pacífico equatorial central devido à ocorrência tanto da LN, quanto das fases 4 e 5 da OMJ, realçando os impactos desta oscilação sobre as anomalias de precipitação na América do Sul.

Figura 4: monitoramento da OMJ realizado pelo Australian Bureau of Meteorology (BOM). Imagem de http://www.bom.gov.au/climate/mjo/.
Portanto, é importante que os institutos de meteorologia responsáveis por monitorar os fenômenos climáticos estejam cientes que os impactos destas oscilações mais rápidas (ENOS e OMJ) não dependem somente da sua intensidade, mas também se alteram com as estações do ano, e que ainda a superposição de diferentes modos de variabilidade pode contribuir para aumentar ainda mais os impactos previstos para apenas um fenômeno climático. A LN ainda pode apresentar diferentes impactos dependendo da distribuição espacial das anomalias de TSM no Pacífico equatorial, mais para a região central ou leste. No entanto, as diferenças maiores quanto a isto acontecem sobre a região nordeste do Brasil, durante o período de outono (MAM).
Referências:
England et al. (2014) "Recent intensification of wind-driven circulation in
the Pacific and the ongoing warming hiatus", Nature Climate Change. https://doi.org/10.1038/nclimate2106.
Grimm (2019) "Madden–Julian Oscillation impacts on South American summer
monsoon season: precipitation anomalies, extreme events,
teleconnections, and role in the MJO cycle", Climate Dynamics. https://doi.org/10.1007/s00382-019-04622-6.
Grimm et al. (2021) "The combined effect of climate oscillations in producing extremes: the 2020 drought in southern Brazil", Brazilian Journal of Water Resources. https://doi.org/10.1590/2318-0331.252020200116.
Tedeschi et al. (2016) "Influence of Central and East ENSO on precipitation
and its extreme events in South America during austral autumn and winter", International Journal of Climatology. https://doi.org/10.1002/joc.4670.
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