Por que o frio do inverno no Sul do Brasil costuma ser mais rigoroso em anos de La Niña?
- laisgfernandes
- 31 de jul. de 2021
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Apesar de estarmos atualmente na fase neutra do fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS), um evento La Niña (LN) foi registrado no último verão (LN 2020/2021) e um próximo evento LN pode vir a se repetir no próximo verão (ou seja, uma possível LN 2021/2022). O fato é que o inverno de 2021 tem sido bastante rigoroso no Sul do Brasil, com frequente queda na temperatura do ar e registros de neve. O fenômeno já aconteceu por três dias consecutivos (28, 29 e 30/06/2021) e, durante esta última onda de frio, foi observado em mais de 50 municípios do Sul do Brasil. Há vinte anos não se registrava neve por três dias consecutivos no Sul do Brasil, desde os dias 11, 12 e 13/07/2000, ano em que ocorreu um dos mais intensos episódios de LN (LN 1999/2000-2000/01), e registros de neve no Sul do Brasil inclusive durante a primavera.
O impacto do ENOS costuma ser mais significativo nas anomalias de precipitação do que nas anomalias de temperatura da superfície do ar. Isto ocorre porque a amplitude da temperatura do ar varia sazonalmente (com as estações do ano), e seus impactos são governados por diferentes processos de regiões tropicais e extratropicais. A temperatura do ar pode ser alterada devido à advecção de temperatura, ou influência da precipitação, via resfriamento por evaporação e/ou cobertura de nuvens, ou ainda aquecimento, associado à ausência de nuvens.
Por exemplo, em anos de El Niño (EN) (Fig. 1, à esquerda), anomalias de precipitação positiva no sudeste da América do Sul (SESA) são acompanhadas pelo aumento do fluxo meridional de norte para sul nos baixos níveis da atmosfera, aumentando a advecção de ar quente para esta região. Contudo, anomalias positivas de precipitação reduzem a temperatura em SESA devido ao impacto das nuvens de chuva em reduzir a radiação recebida via insolação. Portanto, as anomalias de temperatura do ar apresentam uma baixa amplitude (ou pouca variação) em anos de EN.

Figura 1: Anomalias na circulação em 700 hPa para períodos de aumento (à esquerda) e redução (à direita) da nebulosidade em SESA (retângulo em vermelho) em anos de EN e LN, respectivamente. H e L representam as anomalias de circulação anticiclônica e ciclônica, respectivamente. O fluxo meridional é representado pelo vetor à leste dos Andes. Imagem de Vera et al. (2006).
Por outro lado, nos meses de inverno, em Junho, Julho e Agosto (JJA), principalmente no ano inicial de eventos EN e LN (ou ano zero), as anomalias de temperatura do ar são mais consistentes e significativas sobre vastas regiões de SESA (Figura 2). Neste período, as anomalias de temperatura são positivas em EN e negativas em LN, com um máximo sobre a região norte da Argentina. Estas anomalias estão associadas com o aumento (redução) do fluxo de norte e advecção de ar quente nos baixos níveis da atmosfera em eventos EN (LN).

Figura 2: Anomalias de temperatura da superficie do ar em JJA, entre o período 1963-1990 em eventos EN (à esquerda) e LN (à direita). Áreas sombreadas indicam anomalias significativas com nível de confiança maior 90%. Imagem de Barros et al. (2002).
Nas demais estações do ano, não há anomalias de temperatura do ar consistentes e signficativas sobre extensas regiões de SESA. Isto acontece sobretudo devido à ausência de anomalias significativas na componente meridional do fluxo nos baixos níveis em eventos EN e LN. Na primavera (ou meses de setembro, outubro, e novembro, SON) de anos zero em LN, há uma componente anômala de sul significativa nos baixos níveis, associada com advecção de ar frio em SESA. No entanto, esta advecção é balançada por fortes anomalias negativas de precipitação, as quais indicam ausência de nuvens, e aumento da temperatura por insolação.
Referências:
Barros et al. (2002) "Relationship between Temperature and Circulation in Southeastern South America and its Influence from El Niño and La Niña Events", Journal of Meteorological Society of Japan. https://doi.org/10.2151/jmsj.80.21
Cai et al. (2020) "Climate impacts of the El Niño–Southern Oscillation on South America", Nature Reviews. https://doi.org/10.1038/s43017-020-0040-3
Vera et al. (2006) "Toward a Unified View of the American Monsoon Systems", Journal of Climate. https://doi.org/10.1175/JCLI3896.1
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