Por que eventos La Niña ocorrem frequentemente em verões consecutivos?
- laisgfernandes
- 24 de jul. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de set. de 2021
Agora que a La Niña (LN) 2020/21 terminou, deixando o Oceano Pacífico tropical em condições neutras com relação ao fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS) , poderíamos ficar nos perguntando se esta foi a última LN, por enquanto, ou se as previsões para uma próxima LN em 2021/22 irão se confirmar. Sob a perspectiva do fenômeno ENOS até os dias atuais, eventos consecutivos de LN não são uma exceção. Na realidade, são bastante comuns, embora isto não seja verdade para a fase positiva do ENOS, ou El Niño (EN).
Para entender porque há esta ocorrência consecutiva somente em eventos LN, precisamos compreender que o fenômeno ENOS possui uma certa assimetria. Primeiramente, a posição e a intensidade das anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) no Oceano Pacífico tropical não são exatamente correspondentes em EN e LN. Em EN, as anomalias positivas de TSM são mais intensas e mais para leste, enquanto que em LN as anomalias negativas de TSM são mais fracas e mais para oeste. Na Figura 1 fica claro que a região com anomalia positiva de TSM entre 1,25 e 1,5°C em EN é muito maior que a região com anomalia negativa de TSM entre -1,5 e -1,25°C em LN.

Figura 1: Anomalias de TSM (escala de cores) em eventos EN e LN entre 1979 e 2009. A linha verde mostra a climatologia da TSM em 28°C.
Há diferenças notáveis na TSM da região Niño 3.4 no Oceano Pacífico entre EN e LN. Após o pico do EN, o qual ocorre tipicamente no verão do Hemisfério Sul, a TSM na região Niño 3.4 geralmente muda rapidamente para condições neutras no outono seguinte. Entre o inverno, na sequencia, e o próximo verão, as condições neutras geralmente continuam, ou uma LN se desenvolve, mas a ocorrência de um evento sequencial de EN é bastante fora do comum. Em contraste, para LN, o retorno para a neutralidade é geralmente mais gradual, e a transição para EN após o primeiro verão de LN raramente ocorre. Ao invés disto, há geralmente condições neutras ou uma transição de volta para LN na primavera seguinte. Lembrando do post anterior, de 12 eventos LN no primeiro ano, 8 foram seguidos por uma outra LN, 2 por condições neutras, e 2 por EN.
Por que a transição entre eventos EN e LN seria diferente? A resposta para isto reside em processos que causam o fortalecimento e o enfraquecimento de eventos EN e LN, os quais são explicados pelo chamado feedback de Bjerknes (Bjerknes feedback, Figura 2). Este feedback descreve as interações (ou feedbacks positivos) entre o oceano e a atmosfera que causam o crescimento de eventos EN e LN: mudanças no Oceano Pacífico tropical causam alterações nos ventos alísios, os quais então, reforçam as mudanças nas anomalias de TSM.

Figura 2: Esquema mostrando as condições oceânicas e atmosféricas sob o Oceano Pacífico associadas ao El Niño e ao seu crescimento, devido à interações via feedback de Bjerknes. Por exemplo, os ventos alísios enfraquecem --> a água superficial mais quente flui de volta para leste --> o gradiente da termoclina é reduzido --> a ressurgência no Pacífico leste diminui --> o Pacífico leste aquece --> o gradiente de temperatura zonal reduz --> os ventos alísios enfraquecem... Obs: você conseguiria descrever o feedback de Bjerknes associado ao crescimento de eventos LN? Imagem de notas de aula da Universidade de Reading.
A resposta dos ventos alísios à TSM na região Niño 3.4 não é a mesma em eventos EN e LN. Em EN, os ventos alísios são mais fracos, enquanto que em LN, são intensificados. Além disto, a relação entre as anomalias positivas (EN) e negativas (LN) de TSM e as anomalias de vento zonal geradas por esta TSM anômala geralmente também não é a mesma. A TSM mais quente em EN geralmente produz anomalias de vento mais fortes e mais para leste que aquelas produzidas pela TSM mais fria em LN, com igual magnitude (Figura 3). Embora a diferença possa parecer pouca, isto terá grandes consequências para assimetria do ENOS.

Figura 3: Anomalias de vento zonal em 200 hPa (escala de cores) em eventos EN e LN entre 1979 e 2009. A linha verde mostra a climatologia do vento zonal em 25 m/s. Anomalias positivas de TSM em EN ocasionam anomalias de vento leste (oeste) nos altos (baixos) níveis no Pacífico tropical. Em LN o oposto é observado.
A força e o acoplamento entre o vento e a parte superior do oceano importa não somente por fortalecer eventos EN e LN via feedback de Bjerknes, mas também por terminar eventos EN e LN. O forte acoplamento entre o oceano e a atmosfera e as anomalias de vento mais para leste em EN contribuem para uma robusta "descarga" do aquecimento na parte superior do oceano em direção aos pólos (Figura 4), tipicamente durante o início do próximo outono. Este mecanismo é responsável por terminar eventos EN e iniciar um próximo evento LN. Por outro lado, o fraco acoplamento e as anomalias de vento mais para oeste em LN correspondem a uma "recarga" de aquecimento (Figura 4) também mais fraca, então o oceano não está preparado para uma transição para EN. No entanto, se as condições no Pacífico tropical forem favoráveis, um segundo verão de LN pode inclusive retornar.

Figura 4: Sistema de descarga e recarga de água quente na parte superior do oceano via Transporte de Sverdrup, proposta por Jin (1997). Imagem de notas de aula da Universidade de Reading.
É importante enfatizar que outros processos oceânicos e atmosféricos também podem contribuir para a assimetria do fenômeno ENOS e para a tendência de eventos LN persistirem por mais de um verão. Há ainda um considerável debate sobre quais processos são mais importantes para estas diferenças entre EN e LN, o que nos leva a crer que ainda há muito a descobrir em relação ao fenômeno ENOS!
Referências:
Jin (1997) "An Equatorial Ocean Recharge Paradigm for ENSO. Part I: Conceptual Model", Journal of the Atmospheric Sciences. https://doi.org/10.1175/1520-0469(1997)054<0811:AEORPF>2.0.CO;2
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